domingo, setembro 19, 2010
"Cinco vezes favela, agora por nós mesmos" - cinema brasileiro com olhar lírico e engajado
Foto de divulgação
Por Ramon Mello
Cinco vezes favela – Agora por nós mesmos reúne em cinco episódios, histórias concebidas e realizadas por jovens cineastas, moradores de favelas cariocas. O longa-metragem tem como referência o Cinco vezes favela de 1962, em que cinco jovens universitários de classe média – Miguel Borges, Joaquim Pedro de Andrade, Marcos Farias, Leon Hirszman e Cacá Diegues – fizeram um filme em que o tema central era as favelas do Rio. O filme, que entra em cartaz nesta sexta, 26 de agosto, foi produzido por Diegues e Renata Almeida Magalhães.
Desta vez, as 946 comunidades do Rio de Janeiro estão representadas através do olhar dos próprios moradores da comunidade, com Manaíra Carneiro, Wagner Novais, Rodrigo Felha, Cacau Amaral, Luciano Vidigal, Cadu Barcellos e Luciana Bezerra. Os jovens cineastas escolhidos começaram a trabalhar em organizações culturais como Cufa (Cidade de Deus), Nós do Morro (Vidigal), AfroReggae (Parada de Lucas) e Observatório das Favelas (Complexo da Maré).
Há quatro anos, mais de 200 jovens participaram de oficinas de preparação técnica, com professores como Fernando Meirelles, Ruy Guerra, Walter Salles, Dib Lutfi, Daniel Filho, entre outros cineastas consagrados, e começaram a escrever argumentos e a desenvolver coletivamente os roteiros – 84 jovens foram selecionados para trabalhar nas gravações. A aula inaugural foi com o mestre, diretor e acadêmico Nelson Pereira dos Santos. E o elenco foi preparado pela também atriz Camilla Amado.
> Leia entrevista com Cacá Diegues sobre o projeto
> Confira entrevista com Fernando Meirelles, que participou das oficinas com os jovens
Lirismo em episódios
Cinco vezes favela – Agora por nós mesmos, que ganhou sete prêmios no Festival de Paulínia de 2010, incluindo o de Melhor Filme para o júri oficial e para o júri popular, tem diferentes histórias que dialogam mais com a comédia do que com o drama. Talvez por isso, a sensação “happy end” incomode os espectadores. O lirismo está presente até mesmo em episódios com desfecho triste.
O primeiro deles, “Fonte de renda”, de Manaíra Carneiro, faz uma crônica da vida de um jovem universitário, Maicon (Silvio Guindane), morador de comunidade, que consegue ingressar na faculdade, mas tem dificuldades para manter os estudos. O ator sustenta o personagem com veracidade, mas o roteiro direciona para um desfecho moral e clichê.
“Arroz com feijão”, de Rodrigo Felha e Cacau Amaral, aborda o drama e a aventura do menino Wesley (Juan Paiva) e seu melhor amigo, Orelha (Pablo Vinicius) para presentear o pai (Flávio Bauraqui) com uma refeição diferente do arroz e feijão de todo dia. Os atores e o roteiro são excelentes. No entanto, há momentos desnecessários, como a explicação do pai para o fato de não conseguir comer frango, que beiram ao melodrama.
“Concerto para violino”, de Luciano Vidigal, é o episódio que mais se aproxima da estética “pobreza & violência”, excessivamente utilizada em filmes como Cidade de Deus e Tropa de elite. No entanto, trata-se da história mais bem executada, com atuações impecáveis de Samuel de Assis (o PM Ademir), Feijão (o chefe do tráfico, Tiziu), e Thiago Martins (Jota, rival de Tiziu).
"Deixa voar" (foto acima), de Cadu Barcellos, é o mais criativo e lírico, onde o território demarcado por facções rivais do tráfico de drogas é o que estabelece o limite das relações sociais. Com um roteiro bem construído, o espectador acompanha a história dos meninos que soltam suas pipas na laje dos casebres para romper com o cerceamento da liberdade.
“Acende a luz”, de Luciana Bezerra, o último episódio do filme, retrata um conto baseado em experiência dos moradores, quando ficaram sem luz na véspera do Natal de 2008. O ator Marcio Vitto, que interpreta o técnico de luz encarregado de resolver o problema da comunidade, faz seu trabalho com maestria. Com típicos personagens da classe média, a história pode confundir-se com um trecho de uma novela das oito. A narrativa final destaca o espírito coletivo da comunidade, que norteia o projeto em si.
Com erros ou acertos, o fato é que este projeto permite que os moradores de comunidades, cineastas, contem suas próprias histórias. Seja pela busca de linguagem ou pela necessidade de retratar a realidade através de um olhar único, o filme Cinco vezes favela – Agora por nós mesmos é imprescindível para quem se interessa pelo cinema brasileiro.
Assista o trailer:
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