domingo, outubro 24, 2010
A TORTURA QUE MORA AO NOSSO LADO
texto de José Aparecido Miguel no Jornal do Brasil, 15/10/2010
Quase uma semana depois, não me saem da cabeça as imagens e os depoimentos do filme “Perdão, Mister Fiel”, sobre a tortura e a morte do metalúrgico Manoel Fiel Filho, em janeiro de 1976, durante o governo do general Ernesto Geisel, no período da ditadura militar no Brasil (1964-1985).
“Perdão, Mister Fiel” é um documentário do jornalista, escritor e cineasta Jorge Oliveira, que teve pré-estreia no Memorial da Resistência, domingo, em São Paulo. O Memorial da Resistência ocupa o antigo prédio do Departamento Estadual de Ordem Política e Social (DEOPS), onde Manoel Fiel Filho foi torturado e morto, a exemplo de, meses antes, Vladimir Herzog, sacrifícios humanos que impulsionaram uma mudança política no país, rumo à democracia que hoje vivemos. DEOPS, aliás, também foi conhecido como DOPS (sem referência ao E de estadual).
O filme, um longa-metragem de 90 minutos, mostra a influência dos Estados Unidos na manutenção das ditaduras da época na América Latina, e traz o depoimento do ex-agente do DOI-CODI (Destacamento de Operações de Informações - Centro de Operações de Defesa Interna), Marival Chaves, que revela minuciosamente como eram mortos e esquartejados os presos no DOPS, comandado pelo delegado Sérgio Fleury, e no DOI-CODI. Para lembrar, o DOI-CODI era um órgão de “inteligência” e repressão subordinado ao Exército brasileiro.
“Perdão, Mister Fiel”, na minha opinião, pode ser a mola propulsora da retomada de debate que leve ao julgamento bandidos-torturadores, travestidos de agentes de segurança, e sobre a prática de tortura na atualidade. As cenas do filme colocam em questão a Lei da Anistia.
Depois do filme, ao lado do ex-presidente do Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo, Audálio Dantas, o cineasta Jorge Oliveira lembrou a importância do combate, também, à tortura que acontece diariamente nas cadeias e distritos policiais do país.
Audálio Dantas, que teve destacada participação na resistência à ditadura, especialmente no período do assassinato de Vladimir Herzog, comentou que o brasileiro vive a ameaça de sofrer tortura todos os dias, a partir, por exemplo, de um simples acidente de trânsito, de um simples desentendimento verbal com um policial.
No filme, o irmão do presidente Lula, Frei Chico, José Ferreira da Silva, também torturado pela ditadura, toca no mesmo tema.
Estranhamente, pelo que soube, até hoje nenhuma autoridade do governo foi ouvir o ex-agente do DOI-CODI (Destacamento de Operações de Informações - Centro de Operações de Defesa Interna), Marival Chaves, que pediu demissão de sua função em 1985, e vive no Espírito Santo, embora o documentário já seja público e tenha oito prêmios em festivais de cinema, como o de Brasília. (Depois de ter postado este comentário, li no Jornal do Brasil que o secretário de Direitos Humanos do governo Lula, Paulo Vannuchi, disse que cabe ao Judiciário analisar o caso.)
O depoimento do ex-agente - "analista de informações" - dá nomes de responsáveis pela tortura na época, que incluiu barbaramente aplicação de injeção, para matar cavalos, em ativistas políticos.
O filme é revelador. O hoje ministro da Comunicação Social do governo Lula, Franklin Martins, estava marcado para morrer. Desviou-se dos torturadores nas ruas de São Paulo.
Na pré-estreia em São Paulo, Audálio Dantas propôs - e o auditório aceitou, por unanimidade - que “Perdão, Mister Fiel” receba o prêmio “hors concours” Vladimir Herzog de Direitos Humanos, que será entregue dia 25 de outubro.
A apresentação do filme, no Memorial da Resistência, fez parte do encerramento da exposição do brilhante designer gráfico Elifas Andreato, autor de centenas de capas de jornais e revistas com o tema da ditadura militar.
Diga não à tortura, onde ela ocorra.
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