E quem quiser contribuir, mandando inclusive textos, é só me contactar. Comentários, é claro, serão bem-vindos - quem quiser polemizar, discutir, brigar, também pode: só não prometo continuar no tema, pois o tempo nem sempre existe, nem tudo vale a pena mergulhar fundo e os assuntos são muitos.

Ah! Para quem não me conhece, posso me definir como um ATIVISTA CULTURAL BRASILEIRO – adotando definição dada pela jornalista Beatriz Wagner (obrigado, Bea!) durante o Brazil Film Festival de Sydney, em outubro de 2009. Sou de São Paulo, capital, mas moro em Sydney, Austrália desde o final de 1980. Além de ser ou gostar de ser um ativista cultural, ou como parte disso, faço música, cinema, escrevo, trabalho como guia de turismo multilíngüe (em português, inglês, espanhol e italiano) viajando por toda a Austrália, faço traduções, dou aulas de violão, português e inglês, entre outras coisas – e sou formado em Arquitetura e Urbanismo pelo Mackenzie (SP) sem ter exercido a profissão.

sábado, setembro 25, 2010

CONSOLIDAR A RUPTURA HISTÓRICA OPERADA PELO PT – texto de Leonardo Boff* publicado em 30/08/2010


Para mim o significado maior desta eleição é consolidar a ruptura que Lula e o PT instauraram na história política brasileira. Derrotaram as elites econômico-financeiras e seu braço ideológico, a grande imprensa comercial. Notoriamente, elas sempre mantiveram o povo à margem da cidadania, feito, na dura linguagem de nosso maior historiador mulato, Capistrano de Abreu, "capado e recapado, sangrado e ressangrado". Elas estiveram montadas no poder por quase 500 anos. Organizaram o Estado de tal forma que seus privilégios ficassem sempre salvaguardados. Por isso, segundo dados do Banco Mundial, são aquelas que, proporcionalmente, mais acumulam no mundo e se contam, política e socialmente, entre as mais atrasadas e insensíveis. São vinte mil famílias que, mais ou menos, controlam 46% de toda a riqueza nacional, sendo que 1% delas possui 44% de todas as terras. Não admira que estejamos entre os países mais desiguais do mundo, o que equivale dizer, um dos mais injustos e perversos do planeta.

Até a vitória de um filho da pobreza, Lula, a casa grande e a senzala constituíam os gonzos que sustentavam o mundo social das elites. A casa grande não permitia que a senzala descobrisse que a riqueza das elites fora construída com seu trabalho superexplorado, com seu sangue e suas vidas, feitas carvão no processo produtivo. Com alianças espertas, embaralhavam diferentemente as cartas para manter sempre o mesmo jogo e, gozadores, repetiam: "façamos nós a revolução antes que o povo a faça". E a revolução consistia em mudar um pouco para ficar tudo como antes. Destarte, abortavam a emergência de outro sujeito histórico de poder, capaz de ocupar a cena e inaugurar um tempo moderno e menos excludente. Entretanto, contra sua vontade, irromperam redes de movimentos sociais de resistência e de autonomia. Esse poder social se canalizou em poder político até conquistar o poder de Estado.

Escândalo dos escândalos para as mentes súcubas e alinhadas aos poderes mundiais: um operário, sobrevivente da grande tribulação, representante da cultura popular, um não educado academicamente na escola dos faraós, chegar ao poder central e devolver ao povo o sentimento de dignidade, de força histórica e de ser sujeito de uma democracia republicana, onde "a coisa pública", o social, a vida lascada do povo ganhasse centralidade. Na linha de Gandhi, Lula anunciou: "não vim para administrar, vim para cuidar; empresa eu administro, um povo vivo e sofrido eu cuido". Linguagem inaudita e instauradora de um novo tempo na política brasileira. O "Fome Zero", depois o "Bolsa Família", o "Crédito Consignado", o "Luz para Todos", o "Minha Casa, minha Vida, o "Agricultura familiar, o "Prouni", as "Escolas Profissionais", entre outras iniciativas sociais permitiram que a sociedade dos lascados conhecesse o que nunca as elites econômico-financeiras lhes permitiram: um salto de qualidade. Milhões passaram da miséria sofrida à pobreza digna e laboriosa e da pobreza para a classe média. Toda sociedade se mobilizou para melhor.

Mas essa derrota infligida às elites excludentes e anti-povo, deve ser consolidada nesta eleição por uma vitória convincente para que se configure um "não retorno definitivo" e elas percam a vergonha de se sentirem povo brasileiro assim como é e não como gostariam que fosse. Terminou o longo amanhecer.

Houve três olhares sobre o Brasil. Primeiro, foi visto a partir da praia: os índios assistindo a invasão de suas terras. Segundo, foi visto a partir das caravelas: os portugueses "descobrindo/encobrindo" o Brasil. O terceiro, o Brasil ousou ver-se a si mesmo e aí começou a invenção de uma república mestiça étnica e culturalmente que hoje somos. O Brasil enfrentou ainda quatro duras invasões: a colonização que dizimou os indígenas e introduziu a escravidão; a vinda dos povos novos, os emigrantes europeus que substituíram índios e escravos; a industrialização conservadora de substituição dos anos 30 do século passado mas que criou um vigoroso mercado interno e, por fim, a globalização econômico-financeira, inserindo-nos como sócios menores.

Face a esta história tortuosa, o Brasil se mostrou resiliente, quer dizer, enfrentou estas visões e intromissões, conseguindo dar a volta por cima e aprender de suas desgraças. Agora está colhendo os frutos.

Urge derrotar aquelas forças reacionárias que se escondem atrás do candidato da oposição. Não julgo a pessoa, coisa de Deus, mas o que representa como ator social. Celso Furtado, nosso melhor pensador em economia, morreu deixando uma advertência, título de seu livro A construção interrompida (1993): "Trata-se de saber se temos um futuro como nação que conta no devir humano. Ou se prevalecerão as forças que se empenham em interromper o nosso processo histórico de formação de um Estado-Nação" (p.35). Estas não podem prevalecer. Temos condições de completar a construção do Brasil, derrotando-as com Lula e as forças que realizarão o sonho de Celso Furtado e o nosso.

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* Teólogo, filósofo e escritor [Autor de Depois de 500 anos: que Brasil queremos, Vozes (2000)].

SINAIS DOS TEMPOS - texto de Frei Betto* PUBLICADO EM 19/09/2010

O mercado é o novo fetiche religioso da sociedade em que vivemos. Antigamente, nossos avós consultavam a Bíblia, a palavra de Deus, diante dos fatos da vida. Nossos pais, o serviço de meteorologia: "Será que vai chover?". Hoje, consulta-se o mercado: "O dólar desvalorizou? Subiu a Bolsa? Como oscilou o mercado de capitais?".

Diante de uma catástrofe, de um acontecimento inesperado, dizem os comentaristas econômicos: "Vamos ver como o mercado reage". Fico imaginando um senhor, Mr. Mercado, trancado em seu castelo e gritando pelo celular: "Não gostei da fala do ministro, estou irado." Na mesma hora os telejornais destacam: "O mercado não reagiu bem frente ao discurso ministerial".

Para as agências de publicidade, o mercado no Brasil compreende cerca de 40 milhões de consumidores. Neste país de 190 milhões de habitantes, uma minoria tem acesso aos bens supérfluos. Os demais, só aos de necessidade indispensável.

O grande desafio das pessoas em idade produtiva, hoje, é como se inserir no mercado. Devem ser competitivas, ter qualificação, disputar espaços. Sabem que o sistema recomenda não levarem a sério conotações éticas e encarar como quimérico um planejamento de inclusão das maiorias. O mercado é, agora, internacional, globalizado; move-se segundo suas próprias regras, e não de acordo com as necessidades humanas.

A crise da modernidade é, portanto, também a do racionalismo. No início da modernidade, principalmente na época dos iluministas, a religião era considerada superstição. Camponeses da Idade Média regavam seus campos com água benta, agradeciam aos padres (que, diga-se de passagem, cobravam pela água benta) e depois louvavam a Deus pela boa colheita. Até o dia em que apareceu um senhor oferecendo a eles um pozinho preto, o adubo, que também custava dinheiro, mas não dependia da ira ou do agrado divino - bastava aplicá-lo à terra e aquilo facilitava a colheita.

O adubo funcionou melhor que a água benta! Muitos camponeses perderam a fé, porque a concepção de Deus predominante na Idade Média era a de um Ser utilitário. (Por isso se costuma dizer, em teologia, que Deus não é nem supérfluo nem necessário; é gratuito, como todo amor).

Outrora, falava-se em produção; quem tinha um capital, precisava investi-lo, produzir. Hoje, fala-se em especulação. Dinheiro produz dinheiro. A cada dia, através de computadores, bilhões de dólares rodam o planeta em busca de melhores lucros. Passam da Bolsa de Singapura para a de Tóquio, desta para a de Buenos Aires, desta para a de São Paulo, desta para a de Nova York, e assim por diante. Agora, em Singapura, provavelmente estarão discutindo o que fazer com US$ 6 bilhões disponíveis no mercado.

Outrora, falava-se em marginalização. Alguém marginalizado no emprego ainda tinha esperança de voltar ao centro. Hoje, marginalização cedeu lugar a outro termo, exclusão - o ser humano excluído não tem esperança de volta, porque o neoliberalismo é intrinsecamente excludente. A exclusão não é um problema para ele, tal como a marginalização era para o liberalismo: é parte da lógica de crescimento do sistema e da acumulação de riquezas.

Antes, falava-se em Estado, o importante era fortalecer o Estado. Um ministro da ditadura militar chegou a declarar: "Vamos fazer crescer o bolo, depois haveremos de dividi-lo." Só que o bolo cresceu, e o gato comeu, não se viu o resultado. Aqueles mesmos políticos que advogavam o crescimento do Estado defendem, hoje, a sua destruição, com o sofisticado lema da ‘privatização’.

Não sou radicalmente contrário à privatização, nem estatista. Há países ricos - como a França e o Reino Unido - nos quais os serviços públicos estatais funcionam muito bem. Não é por serem públicas que as empresas e os serviços devem operar negativamente. A história é outra: muitos políticos, que deveriam ser homens públicos, estão prioritariamente ligados a empresas privadas, de maneira que não têm interesse em que as coisas públicas, estatais, funcionem bem. O maior exemplo disso é o serviço de saúde no Brasil. São US$ 8 bilhões circulando por ano nos planos privados de saúde, que atendem apenas 30 milhões de pessoas numa população de 190 milhões. Por que o SUS haveria de funcionar bem? Outrora, alguém ficava doente e dava graças a Deus por conseguir um lugar no hospital. Hoje, as pessoas morrem de medo de ir para o hospital. Hospital virou ante-sala de cemitério.

A privatização não é só econômica, é também filosófica, metafísica. Tem reflexos na nossa subjetividade. Também nos tornamos seres cada vez mais privatizados, menos solidários, menos interessados nas causas coletivas e menos mobilizáveis para as grandes questões. A privatização invade até mesmo o espaço da religião: proliferam as crenças ‘privatizantes’, que têm conexão direta com Deus. Isso é ótimo para quem considera que o próximo incomoda. É a privatização da fé, destituindo-a da sua dimensão social e política.

Enfim, hoje se fala em globalização; ótimo que o planeta tenha se transformado numa aldeia. O que preocupa é constatar que esse modelo é, de fato, a imposição ao planeta do paradigma anglo-saxônico. Melhor chamá-lo de globocolonização!

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*Frei Betto é escritor, autor de "Hotel Brasil – o mistério das cabeças degoladas" (Rocco), entre outros livros.