E quem quiser contribuir, mandando inclusive textos, é só me contactar. Comentários, é claro, serão bem-vindos - quem quiser polemizar, discutir, brigar, também pode: só não prometo continuar no tema, pois o tempo nem sempre existe, nem tudo vale a pena mergulhar fundo e os assuntos são muitos.

Ah! Para quem não me conhece, posso me definir como um ATIVISTA CULTURAL BRASILEIRO – adotando definição dada pela jornalista Beatriz Wagner (obrigado, Bea!) durante o Brazil Film Festival de Sydney, em outubro de 2009. Sou de São Paulo, capital, mas moro em Sydney, Austrália desde o final de 1980. Além de ser ou gostar de ser um ativista cultural, ou como parte disso, faço música, cinema, escrevo, trabalho como guia de turismo multilíngüe (em português, inglês, espanhol e italiano) viajando por toda a Austrália, faço traduções, dou aulas de violão, português e inglês, entre outras coisas – e sou formado em Arquitetura e Urbanismo pelo Mackenzie (SP) sem ter exercido a profissão.

domingo, outubro 24, 2010

A TORTURA QUE MORA AO NOSSO LADO



texto de José Aparecido Miguel no Jornal do Brasil, 15/10/2010

Quase uma semana depois, não me saem da cabeça as imagens e os depoimentos do filme “Perdão, Mister Fiel”, sobre a tortura e a morte do metalúrgico Manoel Fiel Filho, em janeiro de 1976, durante o governo do general Ernesto Geisel, no período da ditadura militar no Brasil (1964-1985).

“Perdão, Mister Fiel” é um documentário do jornalista, escritor e cineasta Jorge Oliveira, que teve pré-estreia no Memorial da Resistência, domingo, em São Paulo. O Memorial da Resistência ocupa o antigo prédio do Departamento Estadual de Ordem Política e Social (DEOPS), onde Manoel Fiel Filho foi torturado e morto, a exemplo de, meses antes, Vladimir Herzog, sacrifícios humanos que impulsionaram uma mudança política no país, rumo à democracia que hoje vivemos. DEOPS, aliás, também foi conhecido como DOPS (sem referência ao E de estadual).

O filme, um longa-metragem de 90 minutos, mostra a influência dos Estados Unidos na manutenção das ditaduras da época na América Latina, e traz o depoimento do ex-agente do DOI-CODI (Destacamento de Operações de Informações - Centro de Operações de Defesa Interna), Marival Chaves, que revela minuciosamente como eram mortos e esquartejados os presos no DOPS, comandado pelo delegado Sérgio Fleury, e no DOI-CODI. Para lembrar, o DOI-CODI era um órgão de “inteligência” e repressão subordinado ao Exército brasileiro.

“Perdão, Mister Fiel”, na minha opinião, pode ser a mola propulsora da retomada de debate que leve ao julgamento bandidos-torturadores, travestidos de agentes de segurança, e sobre a prática de tortura na atualidade. As cenas do filme colocam em questão a Lei da Anistia.

Depois do filme, ao lado do ex-presidente do Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo, Audálio Dantas, o cineasta Jorge Oliveira lembrou a importância do combate, também, à tortura que acontece diariamente nas cadeias e distritos policiais do país.

Audálio Dantas, que teve destacada participação na resistência à ditadura, especialmente no período do assassinato de Vladimir Herzog, comentou que o brasileiro vive a ameaça de sofrer tortura todos os dias, a partir, por exemplo, de um simples acidente de trânsito, de um simples desentendimento verbal com um policial.

No filme, o irmão do presidente Lula, Frei Chico, José Ferreira da Silva, também torturado pela ditadura, toca no mesmo tema.

Estranhamente, pelo que soube, até hoje nenhuma autoridade do governo foi ouvir o ex-agente do DOI-CODI (Destacamento de Operações de Informações - Centro de Operações de Defesa Interna), Marival Chaves, que pediu demissão de sua função em 1985, e vive no Espírito Santo, embora o documentário já seja público e tenha oito prêmios em festivais de cinema, como o de Brasília. (Depois de ter postado este comentário, li no Jornal do Brasil que o secretário de Direitos Humanos do governo Lula, Paulo Vannuchi, disse que cabe ao Judiciário analisar o caso.)

O depoimento do ex-agente - "analista de informações" - dá nomes de responsáveis pela tortura na época, que incluiu barbaramente aplicação de injeção, para matar cavalos, em ativistas políticos.

O filme é revelador. O hoje ministro da Comunicação Social do governo Lula, Franklin Martins, estava marcado para morrer. Desviou-se dos torturadores nas ruas de São Paulo.

Na pré-estreia em São Paulo, Audálio Dantas propôs - e o auditório aceitou, por unanimidade - que “Perdão, Mister Fiel” receba o prêmio “hors concours” Vladimir Herzog de Direitos Humanos, que será entregue dia 25 de outubro.

A apresentação do filme, no Memorial da Resistência, fez parte do encerramento da exposição do brilhante designer gráfico Elifas Andreato, autor de centenas de capas de jornais e revistas com o tema da ditadura militar.

Diga não à tortura, onde ela ocorra.